Aftersun - Sensibilidade numa representação perfeita
- João Maravilha
- 26 de jul. de 2024
- 4 min de leitura

Aftersun não precisa de muito para se apresentar como um filme repleto de emoções e sentimentos que nos invadem e nos deixam a refletir durante largos minutos depois do seu final.
Depois de rever o filme pela quarta vez, dei por mim a pensar como é que se escreve uma sinopse que atraia as pessoas a ver este filme. Estou longe de ser alguém com talento para ter criatividade e saber escrever uma sinopse, mas como é que se “vende” o filme de forma cativante sem entregar o que realmente vemos?
Aviso já que esta é uma reflexão sobre o filme e vai ter um cunho ainda mais pessoal do que as restantes críticas. Por isso mesmo irá contar com vários spoilers e, como tal, não é um artigo aconselhado para quem nunca viu o filme.
Aftersun entrega muito mais que uma história sobre as férias de um pai e uma filha…

Recupero a afirmação de que Aftersun é mais que uma história sobre as férias, e a verdade é que rapidamente damos conta disso ao sermos confrontados com os vários lances de imagens que nos vão contando as reais emoções de toda a longa-metragem.
A forma como a depressão, o sofrimento e até mesmo o disfarçar destes, é representado, é de louvar, conseguindo criar uma sensação de desconforto à medida que o filme avança e vamos percebendo de maneira cada vez mais clara a negatividade que contrasta com a alegria que nos é contada aos olhos da inocente Sophie (interpretada por Frankie Corio), relembrando umas férias que pareciam normais e serviram de grande memória.
O relembrar das férias é um despoletar de momentos felizes que iam sendo salpicados por sinais depressivos e de preocupação. Desde logo com a pergunta sobre como é que ele, Calum (interpretado por Paul Mescal), com 11 anos, se imaginava quando tivesse 30, e a verdade é que é uma pergunta que, mesmo feita com toda a inocência, consegue magoar.

É a obrigação de sermos confrontados com todos os objetivos que colocámos na nossa vida e percebermos que nem todos eles foram cumpridos. Claro que aos 11 anos a ingenuidade é muita, mas para quem a pergunta é feita nunca representa apenas essa idade, e leva sempre a pensar em todos os objetivos falhados e nas grandes deceções das nossas vidas, criando assim um sofrimento psicológico através dos sentimentos de falha e angústia, neste caso bem representados pelo silêncio e reação do pai.
Representações de encher um ecrã

Aftersun não precisa de muito tempo (1h42min) para contar uma das histórias mais bonitas e ao mesmo tempo mais sofredoras do cinema, não necessitando sequer de grandes personagens secundárias ou grandes planos. O filme conta praticamente apenas com Callum e Sophie, assim como foi o caso das férias que foram vividas entre os dois e que marcaram Sophie ao ponto de anos mais tarde relembrá-las.
Paul Mescal não era um nome desconhecido e muito se devia à minissérie Normal People, no entanto, aproveitou o papel de jovem pai para dar mais um grande salto qualitativo, conseguindo representar todas as emoções e sentimentos exigidos. Não são necessários diálogos expositivos, bem pelo contrário. São apenas as expressões e os comportamentos mais recatados, irresponsáveis e desconfortáveis que nos mostram esse sofrimento que carrega. E caso não seja suficiente, somos ainda confrontados com os diferentes flashes de imagens da discoteca onde uma Sophie mais adulta realmente sofre com a imagem do pai.
Já Frankie Corio teve uma estreia de louvar nas grandes obras cinematográficas. Com apenas 12 anos, conseguiu representar toda a ingenuidade e irreverência de uma jovem Sophie que apenas se queria divertir o máximo possível com o pai nas férias. Desde querer filmar tudo até ao conviver com os adolescentes mais velhos do que ela, e até mesmo ao ter de assumir uma responsabilidade que não era a dela ao ter de lidar com o afastamento e desinteresse do pai, tudo foi feito de forma perfeita, conseguindo mostrar como a depressão consegue afetar todos aqueles que nos rodeiam.
A morte como ponto final

Deixei para o final o assunto mais chocante e de maior dificuldade em escrever: a morte. A saudade é algo que consegue consumir todo um corpo e com ela trazer a infelicidade ou a alegria, dois polos contrários, mas que encontram um ponto comum nesta fase.
Aftersun é uma mistura destes dois sentimentos, pois se de um lado Sophie sofre com as lembranças e com a tristeza de perder o pai, por outro relembra também as férias que lhe deram alguma alegria e proporcionaram alguns dos momentos mais felizes e carinhosos.
As filmagens de todo aquele tempo de férias servem para que Sophie recorde aqueles momentos alegres e, em contrapartida, mostram também alguns instantes mais depressivos que uma criança daquela idade não consegue desvendar, levando a um sentimento de impotência.

Este tema está refletido no filme de uma forma tão sensível e cuidadosa que se torna complicado escrever sobre ele e não ficar com a ideia de que poderei estar a dizer algo incorreto ou mal interpretado, pelo que escolho não me alongar e deixar a interpretação para cada um, num ponto tão individual e sensível.
Aftersun teve para mim o seu clímax no momento da dança ao som de Under Pressure, de David Bowie e Queen, onde se une a libertação de Calum e a timidez/vergonha de Sophie, com as imagens de um reencontro futuro. Se a sensibilidade e emoção fossem um filme, Aftersun seria a representação perfeita e intocável.
⭐⭐⭐⭐⭐
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